Dilemas da Gestão Municipal: a caça por recursos humanos – o caso do trânsito

* As opiniões aqui emitidas não representam necessariamente a opinião do Instituto Genos

Uma das principais discussões do setor público é a carência de recursos para implantação de projetos nos governos municipais, o que não é totalmente verdade. É fato, porém, que os municípios possuem parte expressiva de sua receita comprometida com educação, saúde, pessoal e previdência, restando pouco para investimento em infraestrutura urbana ou para iniciar programas.

A Constituição Federal, em seu artigo nº 212, estabelece a utilização de um mínimo de 25% das receitas resultantes da arrecadação tributária com educação, e o artigo nº 198 estabelece o uso de, no mínimo, 15% dessas receitas com saúde. Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal limita o gasto com pessoal a 60% da Receita Corrente Líquida – este, sempre um desafio para qualquer administração pública municipal.

Essa é a parte verdadeira do argumento inicial do texto. Porém, se a receita municipal está comprometida com obrigações constitucionais e legais, resta buscar recursos em outras fontes, observando o maior arrecadador do país que é o Governo Federal. Pode não ser simples encontrar esses recursos, mas vejamos.

O Código de Trânsito Brasileiro estabeleceu o Sistema Nacional de Trânsito, um sistema de políticas públicas que prevê a participação social e a redistribuição de recursos para atender a finalidade precípua do sistema, que é o direito a vida e a um trânsito seguro. Um dos órgãos de participação social previstos pelo código de trânsito são os conselhos estaduais de trânsito.

Esses conselhos são responsáveis, entre outras atribuições, por monitorar o recolhimento do valor de 5% das multas de trânsito que obrigatoriamente é depositado na conta do FUNSET (Resolução nº 688/2017). Recurso esse que deverá ser aplicado exclusivamente em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito.

O FUNSET é o Fundo Nacional de Segurança e Educação no Trânsito, cuja aplicação é prevista pelo artigo 4º do Decreto nº 2.613 de 1998, dentre as quais prevê despesas para:

  • articulação entre os órgãos dos Sistemas Nacional de Trânsito, de Transporte e de Segurança Pública, por intermédio do DENATRAN, objetivando o combate à violência no trânsito e mediante a promoção, coordenação e execução do controle de ações para a preservação do ordenamento e da segurança do trânsito;
  • implementação, informatização e manutenção do fluxo permanente de informações com os demais órgãos do Sistema Nacional de Trânsito e no controle dos componentes do trânsito;
  • a elaboração e implementação de programas de educação de trânsito, distribuição de conteúdos programáticos para a educação de trânsito e promoção e divulgação de trabalhos técnicos sobre trânsito;
  • a elaboração e promoção de projetos e programas de formação, treinamento e especialização do pessoal encarregado da execução das atividades de engenharia, educação, informatização, policiamento ostensivo, fiscalização, operação e administração de trânsito.

Porém, é importante notar que, desde 2017, apesar dos vultuosos recursos do FUNSET previstos para execução ano a ano, nunca foi executado um percentual superior a 12% do gasto, demonstrando a ineficiência dessa política pública.

TABELA

FUNSET: Execução dos recursos previstos para educação e fiscalização de trânsito

Elaborado pelo autor com dados do Portal da Transparência[1]

Em que pese a gestão do FUNSET ser de competência exclusiva da Secretaria Nacional de Trânsito – SENATRAN, por força da Lei nº 9.602/1998, exigindo, portanto, articulação política profícua para acesso aos recursos, o fato é que o trânsito é regido como um sistema de política pública. Como consequência do pacto federativo, o sistema de políticas públicas é um formato institucional que visa criar incentivos à cooperação entre os entes e cria, também, processos intergovernamentais de decisão conjunta (Abrúcio e Franzese, 2007).

Em outras palavras, há recursos financeiros disponíveis para estabelecer mecanismos de incentivos à cooperação pelos entes federados, contudo, não utilizados pelo gestor central. Recursos que deveriam informar, fiscalizar e educar motoristas brasileiros, não são utilizados (segurança no trânsito – sinalização)

Algumas hipóteses poderiam ser testadas e avaliadas para explicar esse fenômeno, dentre as quais: (1) a ausência de projetos dos governos municipais que atendam às exigências da legislação do FUNSET, (2) as restrições legais do FUNSET que limitam a atuação dos órgãos executivos de trânsito com esse recurso; (3) o desinteresse político do Governo Federal (SENATRAN) em regulamentar e, portanto, transferir esse recurso, (4) a ausência de uma diretriz estratégica do gestor federal.

Entretanto, exatamente por se tratar de um sistema de políticas públicas, os Estados e os municípios podem atuar como indutor do funcionamento do Sistema Nacional de Trânsito de forma eficaz, por um lado, pelo fortalecimento da gestão municipal através de bons projetos que obriguem o poder executivo federal a se posicionar acerca desses recursos, e por outro, pelo fortalecimento na atuação dos Conselhos Estaduais de Trânsito no exercício de sua atribuição de fiscalizar o recolhimento e aplicação do recurso destinado ao FUNSET.

Portanto, ainda que meia verdade, é possível afirmar que sabendo onde procurar, há recurso disponível.


[1] https://www.portaltransparencia.gov.br/orgaos/56901?ano=2017 acessado em 26/10/2021

Daniel Leão Bonatti
Vice-Presidente
Instituto Genos

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2 comentários

  1. Porque está sendo utilizado um percentual tão baixo do recurso disponibilizado?
    Como proceder para ter acesso a este recurso para utilizá-lo em seu objetivo final?
    Quem pode apoiar na obtenção deste recurso?
    São perguntas, que no meu entender, é preciso buscar as respostas para fazer bom uso desses recursos. Para isso, antes de fazê-la, há de se elaborar um Plano de Trabalho com motivo de sua utilização, consequências se não o fizer e se o fizer.

    1. Obrigado pela provocação.

      As perguntas são pertinentes e acredito que o Sistema Nacional de Trânsito e seus atores tem instrumentos legais para respondê-las o que falta, a meu ver, é articulação política e a proatividade dos entes subnacionais em apresentar bons projetos que possam ser avaliados a luz da regulamentação do FUNSET.

      O Movimento Paulista de Segurança para o trânsito, por exemplo, foi um grande exemplo de como esses recursos podem ser captados e utilizados em melhorias no trânsito para os cidadãos (link no final da resposta) com planos de trabalho aprovados pelo Governo do Estado e recursos disponibilizado para os municípios atuarem com programas educativos, melhorias de infraestrutura e outras ações.

      http://www.infosiga.sp.gov.br/

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