* As opiniões aqui emitidas não representam necessariamente a opinião do Instituto Genos
A proposta do artigo é explicar o que a imprensa convencionou chamar de Orçamento Secreto. Com tal finalidade, vamos descrever o básico.
O Orçamento Público é o instrumento utilizado pelo Governo para planejar a utilização do dinheiro arrecadado com tributos. Nele, são estimadas as receitas governamentais e são fixadas as despesas de custeio (voltadas a manutenção de serviços pré-existentes, além de despesas com pessoal e encargos) e despesas de capital (voltadas a produção ou aquisição de novos bens que integrarão o patrimônio público). Esse orçamento passa a existir no mundo do direito como Lei Orçamentária Anual — LOA que, no âmbito federal, deve ser aprovada no Congresso anualmente até o fim do ano legislativo (dezembro do ano anterior a que se refere o orçamento).
A LOA, por sua vez, é elaborada sob diretrizes que são aprovadas até setembro do corrente ano, da chamada de Lei de Diretrizes Orçamentárias — LDO. É a LDO que define a estrutura e a organização dos orçamentos, pagamento e limites para a dívida pública, entre outros assuntos.
É na LDO que é definido o resultado primário. Resultado Primário é um indicador de resultado fiscal cuja meta é definida pela referida LDO, ou seja, é nesse instrumento que define se o governo perseguirá um “déficit sustentável” ou o “superávit possível”. Em outras palavras, define-se o quanto o governo poderá gastar a mais ou a menos do que a estimativa de arrecadação.
Com a finalidade de auxiliar a apuração do resultado primários, a LDO define alguns indicadores apelidados como RP 1, RP 2, RP 3. por exemplo, RP 0 é a receita estimada que será despendida com despesas financeiras, a RP 6, RP 7 e RP 8 são as receitas designadas às emendas impositivas, individuais, de bancada e de comissão, respectivamente.
A RP 9, por sua vez, é o dispositivo legal que viabiliza o que se convencionou chamar pela mídia, de “orçamento secreto”. Ela foi acrescida pela primeira vez na LDO de 2020 (que estabeleceu diretrizes para o orçamento de 2021). São receitas que poderão ser alocadas em despesas “discricionárias decorrente de programação incluídas ou acrescidas por emendas de relator-geral do projeto de lei orçamentária anual que promovam alterações em programações constantes do projeto de lei orçamentária ou inclusão de novas, excluídas as de ordem técnica” (Lei 14.194/2021).
Traduzindo: a legislação permitiu que o Poder Executivo federal designasse um montante do orçamento para ser alocado pelo relator-geral do orçamento. Diferentemente da emenda impositiva, na qual a cada parlamentar é atribuido um valor específico que pode alocado no orçamento, a responsabilidade de alocação desse recurso designado pela RP 9 é apenas do relator-geral do orçamento.
Este, por sua vez, é um deputado ou senador (por prática, Câmara e Senado se revezam entre relatoria e presidência, ano a ano) indicado pelo presidente da Comissão Mista de Orçamento do Senado para emitir parecer sobre o projeto enviado pelo Presidente da República. Basicamente, o relator-geral reúne o trabalho realizado por subcomissões temáticas, emendas propostas por deputados e senadores, sugestões de alterações por erro técnico, além das emendas impositivas e elabora um documento que acolhe ou rejeita todas essas sugestões ao projeto de lei original.
Ele pode apresentar emendas de diversos tipos: emendas feitas às receitas e às despesas orçamentárias. As primeiras têm por finalidade alterar a estimativa de arrecadação, podendo inclusive propor a sua redução. As emendas à despesa são classificadas como de (1) remanejamento, (2) apropriação ou de (3) cancelamento.
As emendas de remanejamento são as que acrescentam ou incluem dotações e, simultaneamente, como fonte exclusiva de recursos, anulam dotações equivalentes, excetuando as reservas de contingência. Tais emendas só podem ser aprovadas com a anulação das dotações indicadas, observada a compatibilidade das fontes de recursos.
Já as emendas de apropriação são que acrescentam ou incluem dotações e, simultaneamente, como fonte de recursos, anulam valor equivalente proveniente de outras dotações e de verbas da chamada Reserva de Recursos. As emendas de cancelamento propõem, exclusivamente, a redução de dotações orçamentárias. (Fonte: Agência Senado)
Essas emendas, portanto, possuem uma finalidade clara e sua alocação é delimitada pela lei e pela constituição. Por outro lado, a RP 9 delegou ao relator-geral do Orçamento o poder definir uma expressiva parcela do orçamento sem a necessidade de prestação de contas. Em 2021 esse montante foi de R$ 16,5 bilhões.
Esse vultuoso recurso para ser distribuído pelo relator-geral, sem transparência, foi um importante instrumento para um Poder Executivo enfraquecido e com altíssima rejeição negociassem com os parlamentares para aprovação do orçamento e, das propostas que estariam por vir.
A prática de distribuir os recursos para parlamentares em “busca de apoio político” já era corrente na democracia brasileira (a meu ver, parte do jogo da democracia, mas isso é outro assunto), porém, antes era realizada pelo próprio poder executivo por meio de seus programas governamentais.
O que muda então?
Quando essa distribuição é realizada pelo relator do orçamento, a responsabilidade pelo uso do recurso dilui, afinal, o executivo se sente desobrigado a prestar contas sobre essa fatia do orçamento.
Além disso, dado que os “padrinhos das emendas” não são discriminados, deputados e senadores, portanto, não assumem a responsabilidade por aquele recurso , apenas se entenderem que pode “capitalizar” politicamente. Em resumo, a medida reduz o accountability, consequentemente, o controle político e legal sobre o recurso.